O GUARANI

José de Alencar


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Texto adaptado por: Jessica Assunção Cambraia Texto revisado por: Jessica Assunção Cambraia Raiany Alves de Souza Texto revisado por: Gabriella Lima Dantas

Origem do livro: E-Book:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=& co_obra=1843


Brasilía, Janeiro de 2017


ALENCAR, José de. O guarani. 20. ed. São Paulo: Ática, 1996. (Bom Livro). Disponível em:

<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_actio n=&co_obra=1843>. Acesso em: 07 fev. 2017.


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O Guarani, de José de Alencar Fonte:

ALENCAR, José de. O guarani. 20ª ed., São Paulo: Ática, 1996 (Bom Livro).


Texto proveniente de:

A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br> A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo

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O Guarani

José de Alencar


PRÓLOGO


Minha prima. — Gostou da minha história, e pede-me um romance; acha que posso fazer alguma coisa neste ramo de literatura.

Engana-se; quando se conta aquilo que nos impressionou profundamente, o coração é que fala; quando se exprime aquilo que outros sentiram ou podem sentir, fala a memória ou a imaginação.

Esta pode errar, pode exagerar-se; o coração é sempre verdadeiro, não diz senão o que sentiu; e o sentimento, qualquer que ele seja, tem a sua beleza.

Assim, não me julgo habilitado a escrever um romance, apesar de já ter feito um com a minha vida.

Entretanto, para satisfazê-la, quero aproveitar as minhas horas de trabalho em copiar e remoçar um velho manuscrito que encontrei em um armário desta casa, quando a comprei.

Estava abandonado e quase todo estragado pela umidade e pelo cupim, esse roedor eterno, que antes do dilúvio já se havia agarrado à arca de Noé, e pôde assim escapar ao cataclisma.

Previno-lhe que encontrará cenas que não são comuns atualmente, não as condene à primeira leitura, antes de ver as outras que as explicam.

Envio-lhe a primeira parte do meu manuscrito, que eu e Carlota temos decifrado nos longos serões das nossas noites de inverno, em que escurece aqui às cinco horas.

Adeus.

Minas, 12 de dezembro.


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AO LEITOR


Publicado este livro em 1857, se disse ser aquela primeira edição uma prova tipográfica, que algum dia talvez o autor se dispusesse a rever.

Esta nova edição devia dar satisfação do empenho, que a extrema benevolência do público ledor, tão minguado ainda, mudou em bem para dívida de reconhecimento.

Mais do que podia fiou de si o autor. Relendo a obra depois de anos, achou ele tão mau e incorreto quanto escrevera, que para bem corrigir, fora mister escrever de novo. Para tanto lhe carece o tempo e sobra o tédio de um labor ingrato. Cingiu-se pois às pequenas emendas que toleravam o plano da obra e o desalinho de um estilo não castigado.


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PRIMEIRA PARTE OS AVENTUREIROS


I CENÁRIO


De um dos cabeços da Serra dos Órgãos desliza um fio de água que se dirige para o norte, e engrossado com os mananciais que recebe no seu curso de dez léguas, torna-se rio caudal.

É o Paquequer: saltando de cascata em cascata, enroscando-se como uma

serpente, vai depois se espreguiçar na várzea e embeber no Paraíba, que rola majestosamente em seu vasto leito.

Dir-se-ia que, vassalo e tributário desse rei das águas, o pequeno rio, altivo e sobranceiro contra os rochedos, curva-se humildemente aos pés do suserano. Perde então a beleza selvática; suas ondas são calmas e serenas como as de um lago, e não se revoltam contra os barcos e as canoas que resvalam sobre elas: escravo submisso, sofre o látego do senhor.

Não é neste lugar que ele deve ser visto; sim três ou quatro léguas acima de sua foz, onde é livre ainda, como o filho indômito desta pátria da liberdade.

Aí, o Paquequer lança-se rápido sobre o seu leito, e atravessa as florestas como

Enquanto isto se dava, Peri refletia na possibilidade de fazer as coisas voltarem à mesma posição; mas conheceu que não o conseguiria.

Álvaro tinha recebido de D. Antônio de Mariz todos os princípios daquela antiga lealdade cavalheiresca do século XV, os quais o velho fidalgo conservava como o melhor legado de seus avós; o moço moldava todas as suas ações, todas as suas

idéias, por aquele tipo de barões portugueses que haviam combatido em Aljubarrota ao lado do Mestre de Avis, o rei cavalheiro.

Peri conhecia o caráter do moço; e sabia que depois de ter dado a vida a Loredano, embora o desprezasse, não consentiria que em presença dele lhe tocasse num cabelo; e se preciso fosse tiraria a sua espada para defender este homem, que acabava de tentar contra sua existência.

E o índio respeitava a Álvaro, não por sua causa, mas por Cecília a quem ele amava; qualquer desgraça que sucedesse ao cavalheiro tornaria a senhora triste; e isto bastava para que a pessoa do moço fosse sagrada, como tudo o que pertencia à menina, ou que era necessário ao seu descanso, ao seu sossego e felicidade.

O resultado dessa reflexão foi Peri meter a sua faca à cinta; e sem importar-se

mais com o italiano, acompanhar o cavalheiro.

Ambos seguiram em direção da casa, caminhando ao longo da margem do rio.

Ela embebeu os olhos nos olhos de seu amigo, e lânguida reclinou a loura fronte. O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face.


Fez-se no semblante da virgem um ninho de castos rubores e límpidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo soltando o vôo.

A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia... E sumiu-se no horizonte.